2. Avaliação Inicial

Antes de qualquer outra atitude no atendimento às vítimas, deve-se obedecer a uma seqüência padronizada de procedimentos que permitirá determinar qual o principal problema associado com a lesão ou doença e quais serão as medidas a serem tomadas para corrigi-lo.

Essa seqüência padronizada de procedimentos é conhecida como exame do paciente. Durante o exame, a vítima deve ser atenta e sumariamente examinada para que, com base nas lesões sofridas e nos seus sinais vitais, as prioridades do atendimento sejam estabelecidas. O exame do paciente leva em conta aspectos subjetivos, tais como:

  • O local da ocorrência. É seguro? Será necessário movimentar a vítima? Há mais de uma vítima? Pode-se dar conta de todas as vítimas?

    A vítima. Está consciente? Tenta falar alguma coisa ou aponta para qualquer parte do corpo dela.

    As testemunhas. Elas estão tentando dar alguma informação? O socorrista deve ouvir o que dizem a respeito dos momentos que antecederam o acidente.

    Mecanismos da lesão. Há algum objeto caído próximo da vítima, como escada, moto, bicicleta, andaime e etc. A vítima pode ter sido ferida pelo volante do veículo?

    Deformidades e lesões. A vítima está caída em posição estranha? Ela está queimada? Há sinais de esmagamento de algum membro?

    Sinais. Há sangue nas vestes ou ao redor da vítima? Ela vomitou? Ela está tendo convulsões?

As informações obtidas por esse processo, que não se estende por mais do que alguns segundos, são extremamente valiosas na seqüência do exame, que é subdividido em duas partes: a análise primária e secundária da vítima.

2.1. Análise Primária

A análise primária é uma avaliação realizada sempre que a vítima está inconsciente e é necessária para se detectar as condições que colocam em risco iminente a vida da vítima. Ela se desenvolve obedecendo às seguintes etapas:

Determinar inconsciência

Uma vítima consciente significa que a respiração e a circulação, ou só a circulação (obstrução de vias aéreas), estão presentes e, neste caso, pode-se passar direto para a análise secundária. Porém, se ela está caída ou imóvel no local do acidente, deve-se constatar a inconsciência, sacudindo-a gentilmente pelos ombroabordagem.jpgs e perguntando por três vezes: "Ei, você está bem?".

Deve-se ter cuidado para evitar manipular a vítima mais do que o necessário.

Abrir vias aéreas

Se a vítima não responde a estímulos, realizar a abertura das vias aéreas para que o ar possa ter livre passagem aos pulmões.

A manobra de abrir as vias aéreas pode ser realizada de dois modos:

Elevação do queixo e rotação da cabeça

Para as vítimas que tem afastada a possibilidade de lesão cervical, o método consiste na colocação dos dedos, indicador, médio e anular, no maxilar da vítima, com o indicador na parte central do queixo, que será suavemente empurrado para cima enquanto a palma da outra mão será colocada na testa, empurrando a cabeça e fazendo-a realizar uma suave rotação.

Tríplice manobra

Para as vítimas com suspeita de lesão na coluna cervical, o método anterior é contra-indicado. Para esses casos, deve-se empregar a tríplice manobra, na qual o socorrista, posicionando-se ajoelhado, atrás da cabeça da vítima, coloca os polegares na região zigomática (maça do rosto da vítima), os indicadores na mandíbula dela e os demais dedos na nuca da vítima e exerce tração em sua direção. Enquanto traciona, os indicadores, posicionados nos ângulos da mandíbula, empurram-na para cima. Checar respiração.triplice.jpg

Após a abertura das vias aéreas, deve-se verificar se a vítima está respirando espontaneamente. Para realizar essa avaliação, o socorrista deve colocar o seu ouvido bem próximo da boca e do nariz da vítima e olhar, ouvir e sentir a respiração. (Fig. 15.4)

Para determinar a respiração, o socorrista deve gastar de 3 a 5 segundos na avaliação.

Se a vítima estiver respirando espontaneamente, haverá pulso. Descartada a possibilidade de dificuldades respira- tórias, o socorrista deve partir para a verificação de he- morragias graves. Entretanto, se houver obstrução respira- tória, ou se a vítima não respirar espontaneamente, é neces- sário agir imediatamente. Os procedimentos necessários serão vistos mais adiante, neste manual.

Checar circulação

Se a vítima não respirar, deve-se determinar o pulso na artéria carótida. Começar por localizar na vítima a proeminência laríngea (pomo de Adão), colocando o dedo indicador e médio nesse local e deslizando-o para a lateral do pescoço, entre a traquéia e a parede do músculo ali existente. Nesse local encontra-se uma depressão, onde poderá ser sentido o pulso carotídeo. caroti.jpg

O socorrista não deve posicionar seus dedos no lado oposto àquele em que se encontra. Além da possibilidade de não se aplicar pressão suficiente, esta estratégia pode pressionar a traquéia e causar embaraço à passagem do ar ou uma convulsão, ou a súbita movimentação da vítima poderá provocar lesões desnecessárias.

Para checar o pulso carotídeo deve-se gastar de 5 a 10 segundos.

Checar a existência de grandes hemorragias

Após constatar a presença de pulso, deve-se procurar por grandes hemorragias e estancá-las, utilizando qualquer um dos métodos de estancamento que serão ensinados mais à frente.

Se a vítima estiver respirando adequadamente, tiver pulso e não possuir hemorragias, ou estas se encontrarem sob controle, pode-se iniciar a análise secundária.

Na realização da análise primária não se deve dispender mais do que 30 segundos.

Considerações especiais

Vítima em decúbito ventral

Para realizar a análise primária em vítimas inconscientes, encontradas em decúbito ventral, deve-se, antes de tudo, girá-las. Recomenda-se sempre o emprego de quatro socorristas para realizar o rolamento, de forma a preservar a coluna vertebral da vítima. Porém, estando o socorrista só, e não havendo possibilidade de contar com qualquer pessoa para ajudá-lo, deve proceder conforme mostram as Figuras

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Análise primária em bebês

A análise primária em bebês é diferente, em alguns aspectos, daquela realizada em crianças e adultos.

Primeiramente, a constatação de inconsciência deve ser realizada através da aplicação de um estímulo levemente doloroso, que provoque choro ou manifestação de desagrado do bebê. Esse estímulo pode ser um leve toque dado com a unha na sola do pé, conforme mostrado na Figura 15.10.

A abertura das vias aéreas é realizada da mesma forma, tomando-se cuidado para não hiperestender demasiadamente a coluna cervical do bebê. (Fig. 15.11)

A constatação da respiração não apresenta diferenças. Porém, o pulso em bebês é tomado na artéria braquial, conforme pode ser visto na Figura 15.12.

Em crianças, a análise primária é igual à realizada em adultos.

Múltiplas Vítimas

Se o socorrista, no local de ocorrência, tiver que assistir a mais de uma vítima, deve realizar análise primária e controlar todos os problemas que colocam em risco iminente a vida das vítimas, antes de realizar análise secundária em quem quer que seja.

2.2. Análise Secundária

O principal propósito da análise secundária é descobrir lesões ou problemas diversos que possam ameaçar a sobrevivência da vítima, se não forem tratados convenientemente. É um processo sistemático de obter informações e ajudar a tranqüilizar a vítima, seus familiares e testemunhas que tenham interesse pelo seu estado, e esclarecer que providências estão sendo tomadas.

Os elementos que constituem a análise secundária são:Entrevista Objetiva- conseguir informações através da observação do local e do mecanismo da lesão, questionando a vítima, seus parentes e as testemunhas.

Entrevista Subjetiva

A análise secundária não é um método fixo e imutável, pelo contrário, ele é flexível e será conduzido de acordo com as características do acidente e experiência do socorrista.

De modo geral, deve-se, nessa fase, conseguir informações como:

nome da vítima, sua idade, se é alérgica, se toma algum medicamento, se tem qualquer problema de saúde, qual sua principal queixa, o que aconteceu, onde estão seus pais ou parentes (se for uma criança), se tem feito uso de algum medicamento ou se apresenta algum antecedente clínico relevante para a sua melhora.

Exame da cabeça aos pés

Esse exame não deverá demorar mais do que 3 minutos. O tempo total gasto para uma análise secundária poderá ser reduzido se um segundo socorrista cuidar de obter os sinais vitais, enquanto o primeiro socorrista executa o exame do acidentado.

Durante o exame, o socorrista deve tomar cuidado para não movimentar desnecessariamente a vítima, pois lesões de pescoço e de coluna espinhal, ainda não detectadas, po- derão ser agravadas.

Tomar cuidado para não contaminar o ferimento e/ou agravar lesões. Não explorar dentro de ferimentos, fraturas e queimaduras. Não puxar roupa ou pele ao redor dessas lesões.

O exame da cabeça aos pés é uma denominação tradicional. Atualmente tem sido pacífico o entendimento que a avaliação propriamente dita deva começar pelo pescoço, para detecção de possíveis lesões na coluna cervical.

Ao proceder um exame da cabeça aos pés, procurar seguir o método abaixo indicado:

Examinar os olhos, procurando lesões e avaliando o diâmetro das pupilas, de acordo com a Tabela 15.1.

DIÂMETRO DAS PUPILAS

Observação

Causa Provável

Dilatadas, sem reação

Inconsciência, choque, parada cardíaca, hemorragia, lesão na cabeça

Contraídas, sem reação

Lesões no sistema nervoso central,

Abuso de drogas

Uma dilatada e outra contraída

Acidente vascular cerebral, lesões na

Cabeça

Embaçadas

Choque, coma

  • Observar a superfície interior das pálpebras. Se estiverem descoloridas, pálidas, indicam a possibilidade de hemorragia grave.

  • Inspecionar as orelhas e o nariz. Hematoma atrás da orelha ou perda de sangue ou líquido cefalorraquidiano pelo ouvido e/ou nariz pode significar lesões graves de crânio.

    Inspecionar o interior da boca, mantendo-se atento à presença de corpos estranhos, sangue ou vômito.

    Observar a traquéia.

  • Examinar o tórax, procurando por fraturas e ferimentos.

  • Observar a expansão torácica durante a respiração.

TIPOS DE RESPIRAÇÃO

Observação

Causa Provável

Rápida, Superficial

Choque, problemas cardíacos, choque insulínico, pneumonia, insolação

Profunda, Ofegante

Obstrução das vias aéreas, ataque cardíaco, doenças pulmonares, lesões de tórax, coma diabético, lesões nos pulmões pelo calor

Roncorosa

Acidente vascular cerebral, fraturas de crânio, abuso de drogas ou álcool, obstrução parcial das vias aéreas

Crocitante

Obstrução das vias aéreas, lesões nas vias aéreas provocadas pelo calor

Gorgolejante

Obstrução das vias aéreas, doenças pulmonares, lesões nos pulmões provocadas pelo calor

Ruidosa, com chiado

asma, enfisema, obstrução de vias aéreas, arritmia cardíaca

Tosse com sangue

Ferimentos no tórax, fraturas de costela, pulmões perfurados, lesões internas

  • Examinar o abdome, procurando ferimentos e pontos dolorosos.

    Examinar as costas procurando áreas dolorosas e deformidades.

  • Examinar a bacia procurando fratura.

  • Observar lesões na genitália.

  • Examinar as pernas e os pés, procurando ferimentos, fraturas e pontos dolorosos. Checar presença de pulso distal e sensibilidade neurológica.

    Examinar os membros superiores desde o ombro e a clavícula até as pontas dos dedos, procurando por ferimentos, fraturas e áreas dolorosas. Checar presença de pulso distal e sensibilidade neurológica.

    Inspecionar as costas da vítima, observando hemorragias e/ou lesões óbvias.